'CARMEN' TEM DESTAQUE EM FIGURINOS E TRECHOS MUSICAIS MENOS FAMOSOS

FOLHAPRESS - Quando Carmen enfim surge no palco, para de pronto cantar a famosa "Habanera", todos estão inebriados, intoxicados, pela fumaça dos cigarros que "sobe perfumada para os céus, alegrando a alma".

Na nova montagem da ópera do francês Georges Bizet, que estreou na última sexta-feira, no Theatro Municipal, com direção cênica de Jorge Takla e Ronaldo Zero, as operárias da fábrica aparecem como funcionárias de um ateliê de alta-costura. Carmen é uma top model.

Se a fantasia cênica força a interação com a história original, que se passa nas periferias, em distância segura do glamour burguês, e torna complexa a conciliação com a presença ostensiva do regimento militar, o mundo das touradas e dos contrabandistas refugiados nos arredores montanhosos de Sevilha, por outro lado, abre espaço para belos cenários e figurinos.

A cenografia de Nicolás Boni, amparada pela iluminação de Mirella Brandi, ocupa com perfeição a magnitude vertical do palco do Municipal, e os figurinos, minuciosos e personalizados, assinados pelo estilista argentino Pablo Ramírez são o ponto alto da visualidade —o quarto ato se transforma num desfile de moda, com preto e vermelho evocando touros e toureiros, com chifres e instrumentos cortantes.

São mais de 400 figurinos desenhados por Ramírez, não apenas para as personagens centrais, mas para o coro, coro infantil e bailarinos, um trabalho com força suficiente para, em si, marcar esta montagem de "Carmen".

Ainda antes da entrada da Carmencita, o Coro Infantojuvenil da Escola Municipal de Música, preparado por Regina Kinjo, já havia emocionado o público na "Marcha das Crianças". Também o Coro Lírico Municipal ,dirigido por Érica Hindrikson, esteve muito bem preparado, apesar das dificuldades de equilíbrio entre coro e vozes solistas que a obra encerra.

Na estreia, a "Habanera" saiu mais delicada do que rítmica, e a mezzo soprano italiana Annalisa Stroppa —que protagonizou a montagem—, muitíssimo dentro da personagem, foi crescendo vocalmente ao longo da récita. O mesmo se deu com o tenor brasileiro Max Jota, que interpretou Don José, e o barítono argentino Fabián Veloz, como o toureiro Escamillo.

Podemos dizer que as performances vocais foram "esquentando", e, por isso —com exceção da "Seguidilha", já plena—, os trechos mais famosos e aguardados, como "Habanera" e "Canção do Toreador", não foram os momentos de maior destaque. Isso não é necessariamente um problema em uma obra com tantas possibilidades e trechos marcantes, onde praticamente tudo parece ter sido "ouvido alguma vez, em algum lugar".

Com isso espaços foram abertos para personagens secundários, como a Mercedes da mezzo soprano Andreia Souza e o Dancaïre do barítono Johnny França.

Atenta, a Orquestra Sinfônica Municipal, dirigida por Roberto Minczuk, se manteve tão leve quanto possível em busca de equalização na famosa ária de Micaëla —personagem interpretada pela soprano brasileira Camila Provenzale— no terceiro ato, "je ne dis que rien ne m’épouvante", ou eu digo que nada me aterroriza.

Dos metais estupendos na fanfarra do "Prelúdio" do primeiro ato, seguido pelo brilho das cordas no "Entreato", às madeiras no segundo ato e ao inesquecível solo de flauta na abertura do terceiro, todos os trechos puramente instrumentais saíram com altíssimo nível de musicalidade.

Permeada de situações politicamente incorretas, "Carmen" mostra muito do que se é, mais do que aquilo que se gostaria de ser —o que encantou o filósofo Nietzsche e tanta gente mais. Cada época vê na obra o que é mais importante para si. Vivemos um tempo que clama por uma Carmen empoderada, a palavra mais repetida nos textos de divulgação da montagem para definir a ambígua personagem criada pelo som de Bizet junto ao texto de seus libretistas.

Nossos tempos se interessam menos pela fraqueza doentia de José, pelo ególatra culto a si mesmo de Escamillo, ou pela complexa vida interior de Micaëla. Mas tudo isso ainda está lá, junto a uma Carmen que pode, de fato, ser também tudo o que quisermos que ela seja.

CARMEN

Avaliação Muito bom

Quando Ter. (7), qua. (8) e sex. (10) às 20h; sáb. (11) às 17h

Onde Theatro Municipal - pça. Ramos de Azevedo, s/nº, São Paulo

Preço R$ 12 a R$ 165

Elenco Annalisa Stroppa, Max Jota, Lilia Istratii, Giovanni Tristacci

Direção Roberto Minczuk, Jorge Takla e Ronaldo Zero

2024-05-07T13:55:30Z dg43tfdfdgfd